Geografia Política ou Geopolítica?


A Geografia Política clássica tem como precursor o geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que lançou as bases científicas e sistematizadoras dessa ciência com a publicação, em 1897, da obra Geografia Política.

Para Ratzel, a força do Estado estava intimamente ligada ao espaço - na sua forma, extensão, relevo, clima e disponibilidade de recursos naturais -, à sua posição - relações sociais estabelecidas entre o Estado e o seu meio circulante no âmbito nacional e internacional - e, por último, ao sentido (ou espírito) do povo, que representava a força desse determinado povo em relação a outro. Essas idéias, entendidas de maneira simplista e distorcida, ficariam conhecidas como "determinismo geográfico". (O determinismo geográfico, no entanto, ocorre quando se dá aos elementos naturais o papel de única causa na definição de aspectos constitutivos das sociedades.)

O pensamento de Ratzel, influenciado por experiências pessoais - nascidas de uma viagem que realizou aos Estados Unidos e de sua participação na Guerra Franco-Prussiana -, bem como por influências intelectuais, oriundas das idéias evolucionistas de Darwin e do positivismo de Comte, refletia sobre a necessidade do "espaço vital", já que o Estado, considerado como um organismo vivo, estava submetido às mesmas leis implacáveis da sobrevivência e da evolução.

Já o termo Geopolítica foi usado, a primeira vez, pelo geógrafo suíço Rudolph Kjéllen, em 1905, num artigo denominado "As grandes potências". Em 1916, ele reafirmaria as bases da Geopolítica em seu livro O Estado como forma de vida, no qual sua preocupação fundamental é a de estudar o Estado enquanto organismo geográfico. Como suas teses eram inspiradas nas idéias de Ratzel, Kjéllen se preocupou em estabelecer as diferenças entre as duas formas de conhecimento.

Essas diferenças estariam baseadas, principalmente, na forma de abordagem. A Geografia Política deveria ser compreendida como um conjunto sistemático de estudos restritos às relações entre o território e o Estado (posição, situação, características das fronteiras, etc.), enquanto que à Geopolítica caberia a formulação de teorias e estratégias políticas voltadas à obtenção de poder sobre determinado território.

Essa distinção é bastante questionada por alguns geógrafos, já que, no fundo, a Geopolítica é tão somente a Geografia Política aplicada pelo Estado em busca de poder sobre certo território.

Geopolítica como ciência aplicada
O almirante norte-americano Alfred Mahan jamais usou em seus escritos o termo "geopolítica", entretanto, em sua obra mais conhecida, A influência do poder marinho sobre a história, em 1890, usava tal conhecimento para aprimorar a compreensão de que a chave para a hegemonia mundial estaria no controle das rotas marinhas, como meio de um país se alçar a potência mundial.
Assim, inspirado nas teses de Ratzel, Mahan acreditava que o fortalecimento dos Estados Unidos dar-se-ia necessariamente com o controle das rotas marinhas; não por acaso os EUA financiaram, no início do século 20, a construção do Canal do Panamá, possibilitando a ligação entre o Oceano Atlântico e o Pacífico.

A teoria do poder marítimo de Mahan foi contestada, em 1904, pelo geógrafo inglês Halford Mackinder, quando esse proferiu uma conferência, na Real Sociedade Geográfica, intitulada "O Pivô Geográfico da História", que anunciava o fim da "Era Colombiana" e a ascensão do poder terrestre.

O mundo passava por intensas transformações socioeconômicas, impulsionadas pelo desenvolvimento dos transportes terrestres (ferrovias) e dos meios de comunicação (telégrafo), criando novas formas de mobilidade espacial. E Mackinder acreditava, diante dessas mudanças, que quem controlasse a Eurásia - um gigante continente de 34 milhões km², que abarcava Europa e Ásia -, controlaria o que ele chamava de "Ilha Mundial". E dentro dessa "Ilha Mundial" haveria um heartland (terra-coração), ou Estado-pivô, que corresponde ao território da Rússia, com cerca de 22 km².

Era justamente pensando nesse Estado-pivô que Mackinder buscava estabelecer um sistema defensivo britânico, que pudesse impedir uma aliança entre Rússia e Alemanha, pois, para o autor, quem controlasse a "Ilha Mundial" controlaria o mundo.

A Geopolítica passaria a ser mais divulgada com os estudos de Karl Haushofer, publicados na Revista de Geopolítica nos anos de 1924 a 1944. Geopolítico do Terceiro Reich (Alemanha nazista), que usou largamente as idéias de Mackinder, adaptadas ao plano alemão, Haushofer entendia a importância de a Alemanha relativizar as diferenças ideológicas com o socialismo soviético, a fim de enfatizar a necessidade de estabelecer uma "aliança natural" que se contrapusesse ao Império Britânico.

De início, as ideias de Haushofer influenciaram Hitler - e ele pode ser considerado o inspirador do pacto de não agressão russo-alemão, assinado em 1939. Dois anos mais tarde, Hitler decidiu romper com seu conselheiro geopolítico e, por conseguinte, invadiu a União Soviética. As consequências dessa invasão, catastróficas para a Alemanha, são mais que conhecidas. Depois da guerra, Haushofer, acusado de colaborador do nazismo, sequer esperou a sentença que seria dada pelo Tribunal de Nuremberg: suicidou-se em sua cela no ano de 1945.

Novas abordagens
Depois da experiência nazista, a Geopolítica ingressou numa fase de crise e passaria a ser conhecida como "ciência maldita". Até praticamente meados da década de 1970, ela viveu uma espécie de ostracismo teórico (confinada aos setores militares). Posteriormente, suas teses passaram a ser renovadas.

Seu ressurgimento ocorreu em 1976, com a publicação da revista Hérodote, coordenada pelo geógrafo francês Yves Lacoste, que, no mesmo ano, lança o livro A Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, no qual a Geopolítica não aparece mais como uma ciência a serviço do Estado, e, sim, como uma proposta de realizar uma geografia crítica e comprometida com a questão social.

A partir de então, a Geopolítica e a Geografia Política passariam a se preocupar com questões relativas ao poder em geral e às suas mais variadas formas de manifestação. Deixando de se preocuparem apenas com o poder estatal em sua escala nacional, essas ciências passaram a multiplicar suas análises, ocupando-se de várias escalas do território (regional, local, no bairro, etc.), analisando o poder exercido e/ou apropriado pelos mais diversos agentes (multinacionais, shopping centers, associações de bairro, sindicatos, traficantes ou milícias nos morros e favelas das grandes cidades, grupos terroristas, etc.).

Ou seja, as duas ciências analisam agora o poder territorializado nas mais diversas escalas e práticas sociais do cotidiano, o que significa compreender ou agir sobre a sociedade organizada num espectro mais amplo das relações de poder e, também, das formas de exercício político desse mesmo poder, que poderíamos chamar de: a) controle, b) domínio, c) luta e d) resistência.

Fonte:

Educação UOL
Ricardo Silva é geógrafo, mestre em Geografia pela Universidade de São Paulo

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