Participação das depressões periféricas e superfícies aplainadas na compartimentação do planalto brasileiro - considerações finais e conclusões



Aos poucos, vai se evidenciando que, para o estudo paleogeográfico dos diversos lapsos de tempo geológico que respondem pela gênese e evolução das terras brasileiras, toma-se imprescindível a aplicação de métodos específicos de trabalho, utilizados segundo um rumo e uma combinação de técnicas inteiramente distintas para cada um dos casos que se tenha em vista. Pode-se afirmar que, para a seqüência pré-devoniana, o campo de estudos pertence inteiramente aos petrólogos, geoquímicos, estratígrafos especializados em tectônica plástica de orogenias antigas, assim como a especialistas de laboratórios de cronogeologia. No que conceme às grandes seqüências e pacotes de sedimentos empilhados nas diversas bacias intracratônicas brasileiras, têm a palavra os estratígrafos, os paleontólogos e os sedimentologistas, especializados em estudos de microestruturas e paleoecologia. Mesmo porque seria impossível realizar qualquer coisa de mais positivo - geologicamente falando sem a utilização combinada de tais ciências da Terra, da Água e da Vida, no que diz respeito à abordagem dos depósitos sedimentares que se formaram do Devoniano até o Cretáceo nas diferente bacias paleomesozóicas brasileiras. Por último, no que tange precipuamente aos diferentes domínios de sedimentos pós-cretácicos, par a par com todos esses métodos clássicos de trabalho geológico, há que acrescentar a contribuição dos geomorfologistas e pedólogos, assim como a dos sedimentologistas dotados de uma sensibilidade especial por assuntos paleoclimáticos. Estamos certos de que qualquer ortodoxia, nesse último setor de estudos - pelo menos no que diz respeito ao caso brasileiro e aos de muitos outros territórios gondwânicos -, seria extremamente negativa para obtenção de resultados científicos de mais alcance, assim como, sobretudo, para a feitura de uma verdadeira Paleogeografia integrada e sem fronteiras.
Queremos crer que, no plano internacional, até o presente momento da história das ciências da Terra, tenha sido para com o estudo do Quaternário que os critérios rnorfológicos foram ensaiados com resultados mais concretos e até certo ponto de vista inesperados. Estamos cientes, por outro lado, de que, pelo menos em relação ao caso do território brasileiro, teremos que forçar a extensão de tais métodos para os períodos pré-quaternários; procedimento esse que certamente comportará uma margem de erros incomparavelmente maior, como, aliás, sempre acontece cada vez que nos ocupamos com lapsos de tempo geologicamente mais antigos. Evidentemente, o presente estudo persegue tais objetivos, podendo ser considerado uma tentativa de aplicação de métodos cronogeomorfológicos ao estudo da compartimentação interior do Planalto Brasileiro, área territorial que possui uma escala e uma ordem de grandeza de amplitude subcontinental. Estuda-se, de preferência, por essa razão mesma, a macrocompartimentação topográfica dessa grande área de escudos, núcleos-de-escudo e bacias intracratônicas. Estamos absolutamente cientes de que o tratamento analítico de conjunto de formas residuais e de depósitos correlativos, de ordem de antigüidade relativamente grande, pode acarretar enganos muito mais graves, e conduzir a anacronismos geológicos, que somente o futuro desenvolvimento das pesquisas e a descoberta de novos métodos e técnicas de trabalho poderão corrigir.
No fundo tais extensões metodológicas à seqüência de eventos cenozóicos do Planalto Brasileiro visa corrigir um pouco as deficiências de estudos intercientíficos que têm sufocado o desenvolvimento de alguns setores das ciências da Terra, entre nós. Sobretudo gostaríamos de despertar a atenção dos jovens geólogos e geógrafos brasileiros para a grande necessidade que temos de uma melhor integração de informações interdisciplinares, e para os resultados de exceção que podem ser obtidos, através de uma conjugação aberta e sistemática de diferentes métodos e técnicas de pesquisa. De nossa parte, sabemos que dentro de alguns anos os resultados sintéticos incluídos no presente ensaio terão uma validade muito relativa. Acreditamos, entretanto, na possibilidade de aplicação dos procedimentos aqui preconizados, com relação a compartimentos bem individualizados, situados no interior de uma província geológica qualquer, ou colocados em largos desvãos de províncias bem diferentes, ou, ainda, apenas relacionados com os limites meramente artificiais de uma quadrícula de trabalhos de campo. Com relação a esse último caso, sobretudo, a experiência nos demonstrou que são muito maiores os perigos de redução e de erros na síntese paleogeográfica, por parte dos que não possuem idéias mais gerais sobre a macrocompartimentação territorial. Nesse sentido, aliás, geólogos ortodoxos ou principiantes em Geologia e Geomorfologia podem incidir nos mesmos tipos de erros.
Insistimos no fato de que, ainda que houvesse informações paleontológicas suficientemente ricas para a datação de todas, ou, pelo menos, da maior parte das formações cenozóicas brasileiras, mesmo assim seria necessário intercalar os conhecimentos paleoclimáticos e paleomorfológicos acumulados, para se fazer uma verdadeira Paleogeografia. Isto porque, em Cronogeologia global, tão importante quanto a datação das camadas é o estabelecimento da sucessão dos eventos erosivos e deposicionais, que respondem mais diretamente pelos quadros regionais, passíveis de estudos de campo. E quer nos parecer que, para com um bloco de planaltos, tão ricamente compartimentado, como é o caso do chamado Planalto Brasileiro, existem oportunidades únicas para a aplicação dos métodos aqui utilizados. Dir-se-ia que as interferências tectônicas locais poderiam destruir todos os esquemas regionais normais, invalidando a aplicação dos princípios fisioestratigráficos aqui adotados. É um risco que devemos correr, assim como uma preocupação permanente que devemos ter, para eliminar, tanto quanto possível, o perigo derivado de situações tectônicas anômalas. Note-se, entretanto, que a paleotectônica complica sempre as interpretações regionais, qualquer que seja a área considerada e os métodos analíticos em utilização.
Existem sérios precedentes bibliográficos na discussão da integração dos dados geomorfológicos na síntese da história geológica ou da Paleogeografia de uma província geológicoestrutural qualquer.
O geólogo alemão Karl WALTHER (1924) - que ocupou na geologia do Uruguai um pouco da posição que um Derby ou um Branner têm na Geologia Brasileira - teceu severos reparos críticos às idéias de Davis, conseguindo atingir a discussão do problema da viabilidade ou não do aproveitamento paleogeográfico dos conceitos genéricos sobre os chamados peneplanos. Pelo que se depreende da leitura de incisivos rodapés que enriquecem a monografia de Walther, intitulada Estudios geommfologicos y geologicos - Bases de la Geografia física del país, o autor impugnava, de antemão, e baseado em sérios argumentos científicos, qualquer tentativa simplista de integração das idéias cíclicas de Davis, como pressupostos de parcelas da história geológica de um determinado território. Desta forma, em livro escrito e publicado em Montevidéu, no ano de 1924, o geólogo Karl Walther, baseado em seus conhecimentos de geologia regional e na sua grande experiência em pesquisas de campo, percebeu intuitivamente o quanto de inadmissível existia no esquema do ciclo vital dos relevos, quando antevisto sob o prisma de conjunto habitual de episódios paleogeográficos. Daí ter impugnado a aceitação tácita dos estágiosteóricos de Davis como fatos integráveis nas reconstruções paleogeográficas de uma determinada região. E, hoje, somos obrigados a fazer justiça plena ao oportuno e incisivo senso crítico de Walther, mesmo porque seus escritos passaram inteiramente despercebidos no campo da crítica internacional, permanecendo à margem da bibliografia das obras de revisão ou de crítica à teoria de Davis.
Trinta anos passados, entretanto, podemos afiançar que, se é que Karl Walther tinha boas razões em relação à crítica das concepções davisianas, em absoluto tal fato pode significar uma impotência da Geomorfologia em face das reconstruções paleogeográficas. O próprio Albrecht PENCK (1928), o maior dos críticos clássicos da teoria dopene plano não hesitou em afirmar que a Geomorfologia tinha foros de capítulo final da Geologia Histórica (citação de MAACK in Os propósitos da Geografia Moderna ..., 1956, p. 178, Curitiba).
Nos últimos vinte e cinco anos, os estudos geomorfológicos de caráter regional, levados a efeito na Europa Ocidental, conseguiram superar, implicitamente, a validade de tais discussões iniciais, pois a maioria deles incluiu como tarefa habitual a integração dos dados geomorfológicos em face dos conhecimentos fundamentais de ordem geológico-regional. Assim, através do exemplo sério e incontestável do estudo de Geomorfologia Regional, foi possível integrar fatos de história geológica com fatos da história fisiográfica ou geomorfológica, numa ampliação efetiva das dimensões da verdadeira Paleogeografia.
Muito embora estejamos bem alertados sobre as dificuldades inerentes às sínteses da história geomorfológica de um território de escala subcontinental como é o Planalto Brasileiro, em caráter provisório, teríamos os diferentes episódios paleogeográficos desenrolados do Cretáceo até o Quaternário, dentro do seguinte esquema, o qual é apenas uma primeira revisão da mirrada síntese por nós intentada há mais de 15 anos (AB'SÁBER, 1949, 1951).

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