Mapa da Água

Mapa da Água

Todos nós bebemos pequenas doses diárias de substâncias químicas e radioativas. São agrotóxicos e outros resíduos da indústria que se misturam aos rios e represas.

Alguns especialistas defendem que não há risco se elas estiverem dentro do limite regulamentado. Outros argumentam que as doses aceitas no Brasil são permissivas, pois são bem mais altas do que as da União Europeia.

Sobre um ponto não há dúvida: essas substâncias são prejudiciais à saúde quando estão acima do limite brasileiro. O consumo diário aumenta o risco de câncer, mutações genéticas, problemas hormonais, nos rins, fígado e no sistema nervoso --a depender do produto.

Dados inéditos levantados pela Repórter Brasil mostram que são esses os riscos oferecidos pela água que saiu da torneira de 763 cidades entre 2018 e 2020.

Substâncias químicas e radioativas foram encontradas acima do limite em um de cada quatro municípios que fizeram os testes. Entre eles, estão São Paulo (13 testes acima do limite), Florianópolis (26) e Guarulhos (11).

Clique neste link interativo para saber quais substâncias químicas e radioativas foram encontradas na água da sua cidade entre 2018 e 2019: http://mapadaagua.reporterbrasil.org.br/

As informações podem ser consultadas por cidade no Mapa da Água, que destaca quais substâncias extrapolaram o limite e explica seus riscos. Os dados são resultados de testes feitos por empresas ou órgãos de abastecimento e enviados ao Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), do Ministério da Saúde.

Os testes são feitos após o tratamento e a maioria dessas substâncias não pode ser removida por filtros ou fervendo a água.

"Uma outra forma de dizer é que essa água não está própria para consumo, como quando um alimento passa da data de validade."

Contaminada ou imprópria, Kummrow confirma que existe risco para quem bebe a água, e ele varia de acordo com a substância e com o número de vezes que ela foi consumida ao longo do tempo. O risco é maior para quem bebeu diversas vezes ao longo de anos.

É o caso de quem mora em São Paulo, Florianópolis, Guarulhos e outras 79 cidades onde a mesma substância foi encontrada acima do limite nos três anos analisados (2018, 2019 e 2020).

Com impacto silencioso, esses produtos têm dinâmica diferente das contaminações por bactérias, que provocam dor de barriga, diarreia e até surtos de cólera. Os sintomas das substâncias químicas e radioativas podem levar anos, mas, quando aparecem, são na forma de doenças graves.

Estudos que associam esses produtos ao câncer, mutações genéticas e diversos outros problemas de saúde são carimbados pelos mais respeitados órgãos de saúde, como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e as agências regulatórias da União Europeia, Estados Unidos, Canadá e Austrália.

O Mapa da Água destaca o risco para a saúde e as atividades econômicas em que cada substância é utilizada. O nitrato, por exemplo, terceira que mais vezes excedeu o limite, é usado na fabricação de fertilizantes, conservantes de alimentos, explosivos e medicamentos. Ele é classificado como "provavelmente cancerígeno" pela OMS.

Empresas escondem os dados

Os testes são financiados com dinheiro público e de quem paga a conta d'água, mas os resultados estão trancados a sete chaves. As companhias de abastecimento deveriam informar à população sempre que uma substância aparece acima do limite, como determina a portaria sobre a potabilidade da água. Mas isso não acontece.

A Sabesp, responsável pela distribuição de água em mais de 370 municípios paulistas, incluindo a capital, divulga apenas o que chama de "parâmetros básicos", como cor, turbidez e coliformes fecais. Nem mesmo pesquisando no site é possível acessar as substâncias químicas acima do limite. O mesmo problema foi encontrado na Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) e Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).

Nos Estados Unidos e União Europeia, qualquer um pode consultar testes de todas as substâncias presentes na água. E, em muitos desses países, as empresas monitoram um número maior de substâncias e alertam os consumidores em caso de problemas.

"Se contaminantes microbiológicos são encontrados, por exemplo, uma determinação para ferver a água é enviada aos consumidores por email, SMS, rádio etc.", afirma Dorte Skræm, da Danva, organização que representa serviços de água na Dinamarca.

Segundo ele, a transparência é total. "Houve um caso [de contaminação] há alguns anos que envolveu 500 mil habitantes, a mídia cobriu e foi usada para informar os consumidores."

Avisos assim deveriam ter ocorrido nos 763 municípios que identificaram testes acima do limite. "O quadro revelado por esses dados é grave", afirma Leo Heller, pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e relator especial do Direito Humano à Água da ONU entre 2014 e 2020. "Eles mostram omissões e falhas dos órgãos e serviços que fazem parte de uma importante cadeia de responsabilidades."

Quem testa, acha

Os que mais testaram foram os que mais acharam substâncias químicas e radioativas acima do limite. Os estados que não testaram não aparecem.

[Veja o gráfico na reportagem abaixo]

Contaminação contínua em São Paulo

Quase todos os estados que testaram a água acharam problemas. São Paulo foi o que mais encontrou, com 1.298 resultados acima do limite, mas também foi o que mais testou. Foram 831 mil testes, 45% de todos os realizados no país. A capital paulista traz um retrato preocupante: três substâncias acima do limite, uma delas nos três anos analisados.

A contaminação contínua, cenário de maior risco, ocorreu em 82 cidades do Brasil. As substâncias acima do limite estavam em três sistemas importantes que abastecem a cidade.

No Guarapiranga, por exemplo, que chega a 4,8 milhões de paulistanos, os trihalometanos excederam o limite diversas vezes ao longo dos três anos. Os trihalometanos foram o grupo com mais testes fora do padrão em todo o Brasil. Classificado como possivelmente cancerígeno pela OMS, podem causar problemas nos rins e fígado.

Esses elementos são usados em agrotóxicos, solventes, anestésicos e extintores de incêndio. Sua principal origem na água, porém, vem do processo de tratamento.

Tratamento que contamina

Ironicamente, as maiores responsáveis pelos problemas com a água no Brasil são substâncias geradas pelo próprio tratamento. Quando o cloro interage com elementos como algas, esgoto ou agrotóxicos, nascem os chamados "subprodutos da desinfecção". Eles estão acima do limite em 493 cidades, 21% das que testaram.

"Evidente que é importante tratar a água para remover microrganismos, mas não é aceitável eliminar riscos biológicos e gerar riscos químicos", afirma Heller, da Fiocruz.

Além dos órgãos públicos que deveriam fazer o monitoramento, cabe também à indústria e ao agronegócio controlar o despejo de substâncias tóxicas no ambiente. "Mas quem está no centro [empresas e órgãos de abastecimento] é quem deveria garantir a qualidade."

Origem da contaminação

O principal problema ocorre durante o tratamento da água: os subprodutos da desinfecção são a maior fonte de contaminação.

[Veja o gráfico na reportagem abaixo]

Alguém fiscaliza?

A falta de transparência é tamanha que nem sempre os fiscais têm acesso aos dados. Em quase metade dos municípios (48%), as companhias de abastecimento não informaram resultados ao Sisagua. Isso é grave, já que é pelo Sisagua que as secretarias municipais ou estaduais de saúde monitoram a água. Há problemas até nas cidades que mais testam, como São Paulo.

Outro lado

A Sabesp alega que os resultados acima do limite são casos pontuais e que eles não indicam problemas no padrão da água. A empresa informa que faz sua avaliação por uma média móvel, mas não divulga esses dados.

Questionada, a Sabesp se negou a enviar os resultados ou os critérios de cálculo da média. Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde admite que também não teve acesso a esses dados (leia respostas na íntegra [1]).

A Prefeitura de Guarulhos negou que existam substâncias acima do permitido, mesmo diante dos dados do Sisagua (leia resposta). Já Florianópolis afirmou estar trabalhando para resolver o problema (leia resposta completa [2]). Leia também o que a Casan [3] e a Cagece [4] responderam sobre o caso.

Cagece

Segue a entrevista, feita com Neuma Buarque, Superintendente de Controle e Qualidade da Cagece.

PERGUNTA: Quais medidas foram tomadas?

RESPOSTA: A Cagece adotou o uso do dióxido de cloro, uma forma de cloro mais eficiente na redução dos indicadores dessas substâncias.

PERGUNTA: O que pode estar ocasionando o aparecimento dessas substâncias na água? Qual a responsabilidade da Cagece?

RESPOSTA: Essas substâncias são formadas a partir da combinação da matéria orgânica presente na água bruta e o produto purificante. Por isso a Cagece adotou um produto mais eficiente na redução dos formadores destes compostos, bem como vem atuando na mudança da tecnologia de tratamento das estações de tratamento, para compatibilizar com qualidade da água bruta, que a cada dia está mais comprometida em diminuir a poluição nas águas.

PERGUNTA: Há um uso exagerado de cloro pela Cagece na sua rede de distribuição e abastecimento? Por que?

RESPOSTA: Não. A Cagece utiliza o purificante dentro dos padrões de aplicação do produto e evita o desperdício deste produto, uma vez que ele é o maior custo da companhia hoje e por isso, se desperdiçado, teremos prejuízos.

PERGUNTA: O que é feito para minimizar os riscos à população?

RESPOSTA: Como dito anteriormente, investimos em produtos mais eficazes e estamos adequando nossas estações de tratamento para tecnologias mais eficientes. Além disso, estamos investindo na troca e manutenção das nossas redes de distribuição de água.
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[1] Íntegra das respostas da Sabesp e da Prefeitura de São Paulo: https://reporterbrasil.org.br/2022/03/integra-das-respostas-da-sabesp-e-da-prefeitura-de-sao-paulo/
[2] Íntegra das respostas da Prefeitura de Guarulhos: https://reporterbrasil.org.br/2022/03/integra-das-respostas-da-prefeitura-de-guarulhos/
[3] Íntegra das respostas da Casan e da Prefeitura de Florianópolis: https://reporterbrasil.org.br/2022/03/integra-das-respostas-da-casan-e-da-prefeitura-de-florianopolis/
[4] Íntegra das respostas da Cagece: https://reporterbrasil.org.br/2022/03/integra-das-respostas-da-cagece/

https://reporterbrasil.org.br/2022/03/integra-das-respostas-da-cagece/

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