Destruir o mito da presença portuguesa circunscrita à costa de África
O mito da soberania portuguesa limitada à costa africana é tão velho como a Conferência de Berlim (1884-85), aquele encontro pelo qual alguns estados europeus dividiram entre si a régua e esquadro o continente negro. Portugal sobreviveu a essa barganha, não porque se pudesse opor militarmente a britânicos, franceses, alemães e belgas, mas porque estava em África desde o século XV e também era, como sempre lembramos, uma nação africana governada por filhos da terra - isto é, naturais negros e mestiços. Repete-se ad nauseam que os portugueses não estavam no hinterland e que para além de uma ou outra povoação costeira, os únicos portugueses que se encontravam internados nas vastas e "desconhecidas" regiões do interior eram pombeiros, caçadores e aventureiros. Assim, para quantos acreditam nessa lenda intencionalmente criada por outros europeus, Portugal reclamava "direitos históricos" privados de substância, ou seja, de presença efectiva e povoamento.
Qualquer criança que tenha perante si um mapa onde se inscrevam os monumentos existentes em Angola pode, sem quaisquer dificuldades, verificar que assim não é. Para lá de Luanda, de São Salvador do Congo, de Benguela e do Lobito, bem longe da costa, no norte, no centro e centro-sul de Angola, subsistem, bem conservados uns, em ruínas outros, vestígios de uma presença militar, religiosa e económica que recuam ao século XVII, tal como Caconda, situada a 300 km da costa, no fim do sertão de Bengela, onde se inicia o Planalto Central. Em Caconda floresceu um posto comercial de grande pujança a partir de 1604, assim como uma comunidade cristianizada que em inícios do século XIX contaria com cerca de 15.000 habitantes, governados pela elite local negra e mestiça.
O que pareceu, sim, inadmissível aos europeus reunidos em Berlim era o facto de Portugal estar bem implantado em África, não com tropa branca entrincheirada em fortes, mas pelo facto de os portugueses que dominavam aquelas extensas regiões do interior - tão distantes que de Caconda a Benguela se exigiam sete ou oito dias de viagem - eram negros e mestiços portugueses, nomeados pela Coroa Portuguesa, falando e escrevendo português e professando a religião católica. Para os portugueses, não havia, nem "feitiço africano", nem a "África misteriosa".
MCB
// Explicamos tudo isto no segundo episódio de "Quem mandava na África Portuguesa?", segundo episódio da nossa série de Youtube "Nova História". Se ainda não seguem a NP no Youtube, façam-no já. Temos conteúdo na forja.
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